Medicamento com uso ainda extraoficial para a perda de peso virou febre nos corredores de Brasília
Por Karolini Bandeira e Camila Turtelli
Acostumadas a longas negociações, com idas e vindas que demandam paciência, autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário abriram mão da espera e adotaram um atalho para chegar mais rápido a um desejo pessoal comum: o emagrecimento. Um novo remédio, com uso ainda extraoficial para a perda de peso, virou assunto nas salas do poder, em uma febre que tem percorrido os corredores de Brasília de forma mais veloz que as fofocas políticas.
Crítico ferrenho de médicos que receitavam cloroquina contra os efeitos da Covid-19, o senador Omar Aziz (PSD-AM) flexibilizou o posicionamento sobre os parâmetros técnicos na corrida pelos quilos a menos. Ouviu do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do líder do União Brasil na Casa, Elmar Nascimento (União-BA), elogios sobre uma caneta que promete milagres. Adotou as injeções de Mounjaro e diz ter perdido 25kg em pouco mais de três meses.
— Procurei vários médicos e todos falaram que eu podia tomar. Com 65 anos, para emagrecer desse jeito, só correndo dez quilômetros por dia, o que não consigo — relata o parlamentar, que diz não ter sentido nenhum efeito colateral.
O remédio tem a tirzepatida como princípio ativo e foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento de diabetes tipo dois no ano passado, mas ainda não chegou ao país. A reguladora ainda analisa a indicação do medicamento para perda de peso — este tipo de uso segue o que na medicina é conhecido como “off label”, fora da bula.
A tirzepatida é uma substância semelhante à semaglutida, presente nos medicamentos Ozempic e Wegovy. Apesar de ambos serem usados também por pacientes que desejam emagrecer, o Ozempic ainda não tem aval da Anvisa para esta finalidade, enquanto o Wegovy já ganhou o sinal verde, mas ainda não é vendido no Brasil.
Para ficar bem no terno
Hoje, a aquisição do Mounjaro é feita em locais como Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos e Japão, além de países da Europa. Nos EUA, onde pode ser encontrado em farmácias, um ciclo da injeção, composto por quatro doses, custa por volta de US$ 1 mil, aproximadamente R$ 5 mil na cotação de sexta-feira, para clientes sem plano de saúde.
Algumas autoridades têm combinado o remédio com alimentação saudável e exercícios. Lira, por exemplo, adotou uma dieta intermitente e faz cerca de duas refeições por dia, afirmaram pessoas ligadas a ele. Por conta disso, passou a ser comum que o presidente da Câmara não coma com os deputados nas reuniões do colégio de líderes na residência oficial.
Preocupado com os quilos a mais que apareceram na balança durante as festividades no final do ano passado, logo antes de sua cerimônia de casamento, em fevereiro, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, recorreu ao remédio em dezembro após conselho de amigos. Ele comprou o Mounjaro em uma viagem aos Emirados Árabes e, em janeiro, já havia perdido 11kg. Quatro doses da injeção (um mês de uso) foram suficientes para vestir bem o terno de casamento.
A caneta emagrecedora também caiu no gosto dos ministros Kassio Nunes Marques e Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF). Nunes Marques comentou com colegas que a tirzepatida o fez sentir repulsa à comida. Já Dino começou a utilizá-lo no ano passado, com orientação médica, e chegou a perder 26 quilos antes de tomar posse na Corte, em fevereiro.
O ex-deputado federal Fabio Ramalho (MDB-MG), responsável por fazer os colegas ganharem quilos a mais ao oferecer banquetes em seu gabinete nas madrugadas do Congresso, também se rendeu à novidade. Ele foi aos Estados Unidos comprar o medicamento e, em 90 dias, diz ter perdido 21kg — a balança agora está na marca de 107kg.
— Eu procurei um médico e uma nutricionista para fazer uma dieta. O metabolismo vai muito mais rápido — conta.
Diante da falta de aval oficial para o uso nas dietas, há relatos também de quem não se deu bem com o remédio. O senador Jorge Kajuru (PSB-GO) conta ter parado após sofrer com os efeitos colaterais:
— Só tomei duas injeções e parei porque entrei em pânico. Tive insônia, diarreia, febre, dores no corpo... Agora, que ela é boa, é boa. Emagreci quatro quilos em uma semana e conheço gente que perdeu seis no mesmo período.
Os efeitos colaterais do Mounjaro são bem parecidos aos do seu semelhante já comercializado no país, o Ozempic. Independentemente de qual for a caneta emagrecedora, estudos apontam que a perda de peso pode não se sustentar a longo prazo se não houver uma mudança de hábitos e um planejamento para quando o remédio for interrompido. Segundo uma pesquisa conduzida pela própria fabricante, a farmacêutica Eli Lilly, os pacientes recuperam cerca de 14% do peso perdido com a tirzepatida, um ano após a interrupção do tratamento.
— Há muitas pessoas que não passam por orientação médica, mas o acompanhamento é importante para reduzir os efeitos colaterais e evitar riscos, além de orientar a dosagem adequada — alerta a endocrinologista Aline de Faria, do Hospital Sírio-Libanês.
A nutróloga Andrea Pereira reconhece a boa eficácia da semaglutida e da tirzepatida contra a obesidade e diabetes, mas observa o mau uso por parte dos brasileiros:
— Aqui no Brasil, nenhum dos dois precisa de receita médica e vemos o uso abusivo desses remédios por pessoas que não possuem diabetes ou obesidade.
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